Os usineiros, sempre os usineiros

A forte redução na oferta de álcool nesta reta final de safra pode fazer alguns consumidores voltarem os olhos, mais uma vez, para os usineiros. Sempre os usineiros. Eles, na verdade, passaram o ano passado administrando a crise.

Entraram na safra endividados e sem crédito. Até os R$ 2,5 bilhões de crédito colocados pelo governo à disposição das usinas para a formação de estoques -o que poderia garantir maior estabilidade aos preços- tiveram poucos interessados. Motivo: não conseguiram dar garantia aos empréstimos.

A falta de crédito pesou tanto que alguns projetos, que deveriam entrar em operação, foram retardados devido à crise financeira internacional.
O resultado foi o excesso de álcool barato nos primeiros meses da safra, quando o hidratado foi negociado, em média, a R$ 0,6338 por litro de abril a julho, valor 9,5% inferior ao de igual período de 2008. Os usineiros desovaram estoques para fazer caixa.

No segundo semestre a chuva se intensificou, impedindo a colheita e provocando perda na qualidade da cana-de-açúcar. Resultado: produção 1,8 bilhão de litros abaixo do previsto.
Do outro lado, incentivados pela redução do IPI e pelo preço competitivo do álcool, os consumidores elevaram as compras de carros flex, que terminaram o ano com vendas 14% superiores às de 2008, segundo a Anfavea.

Demanda crescente e oferta abaixo do previsível empurraram os preços do álcool para cima na reta final do ano. Os valores médios de abril a novembro já indicavam alta de 3% sobre os de 2008 na porta das usinas. Em dezembro, quando a redução de álcool ficou mais evidente, os preços dispararam e subiram 39% em relação aos de igual período de 2008. Essa alta só não foi maior porque a demanda externa por álcool caiu 35,4% no ano passado, recuando para 2,6 bilhões de litros.

Outro ponto de redução da oferta de álcool foram os bons preços obtidos pelo açúcar. As usinas destinaram uma parte maior da cana para a produção de açúcar, cuja produção rendeu 60% a mais do que a de álcool no final do ano.

A redução na oferta de álcool após o advento do carro flex não tem mais os perigos dos tempos do Proálcool, quando os carros simplesmente não podiam rodar por falta do combustível. O consumidor mais consciente vai optar pela gasolina. Já os mais distraídos vão continuar pagando caro pelo pouco álcool que estará nas bombas.

O cenário para os próximos anos, no entanto, pode ser diferente. Está se formando uma nova classe de usineiros -as multinacionais. Com cacife e poder, essas novas donas de usinas vão ter recursos suficientes para a formação de estoques. Ou seja, vai acabar a fase dos preços baixos e o consumidor vai pagar um preço médio anual mais elevado.
A capacidade financeira dos usineiros atuais ainda não permite essa formação de estoques, que virá cada vez mais com o avanço da concentração no setor. Atualmente, de cada cinco toneladas de cana moída, apenas uma está nas mãos de estrangeiros.

Fonte: Folha de SP, em 12/01/2010

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