Externalidades da cana

Tema recorrente em trabalhos acadêmicos, o estudo das externalidades da cana-de-açúcar vem indicando que a lavoura mais antiga do Brasil é cada vez mais sustentável, já que apresenta saldo positivo nos aspectos ambiental, cambial, econômico, energético, trabalhista, tecnológico e tributário. Num balanço da situação, destaco o aspecto ambiental.

As queimadas, que constituíam o maior passivo ecológico do setor, estão com os dias contados. Ainda pouco aproveitada, a palha de cana tem largo futuro como insumo energético, devendo repetir o caso da vinhaça, resíduo da destilação usado de forma controlada nos canaviais como fertirrigante rico em potássio e matéria orgânica.

Outro dado ambiental esquecido é a contribuição da lavoura canavieira para a retirada de carbono da atmosfera. Em seu ciclo vegetativo médio de 14 meses, do plantio à colheita, a cana absorve mais CO2 do que igual área de floresta nativa madura. Quando atinge a maturidade e para de crescer, o canavial é colhido, abrindo espaço para um novo ciclo. Hoje a cana ocupa quase 9 milhões de hectares, 200% mais do que no final dos anos 70, quando o País entrou na era do carro a álcool.

Segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), as emissões de monóxido de carbono (CO) caíram de mais de 50 g/km rodado, antes de 1980 – quando a gasolina era o único combustível em uso -, para menos de 1 g/km em 2000, graças às mudanças tecnológicas introduzidas nos carros brasileiros.

Nos anos 80, com a adição de álcool anidro, o Brasil foi o primeiro país do mundo a eliminar o aditivo chumbo tetraetila da gasolina. Além disso, a queima de etanol não emite óxido de enxofre, resíduo da combustão de gasolina e óleo diesel. Com isso, caiu entre nós o risco da chuva ácida, provocada pela mistura de óxido de enxofre com o vapor dágua (H2O) na atmosfera.

A segunda grande contribuição da cana é energética. O setor canavieiro produz mais energia do que consome, saldo que deverá aumentar à medida que se ampliar o aproveitamento integral da biomassa dos canaviais. Já as externalidades socioeconômicas da cana avultam no confronto com outras atividades. O setor canavieiro emprega muita gente a custos relativamente baixos, algo decisivo num país com pouco capital. Em 2008, o setor gerou mais de 1,2 milhão de empregos em 1.024 municípios de 24 Estados. Já o setor petroleiro possuía 69 mil empregados na extração e 21 mil na produção de derivados em 196 municípios de 25 Estados.

Apesar de a Petrobrás ser uma das principais empresas do mundo e obter lucros impressionantes, como o de 2009 (R$ 28,9 bilhões), a renda gerada pelo petróleo não tem o mesmo efeito multiplicador do setor sucroalcooleiro. Calcula-se que a movimentação financeira total do setor sucroenergético em 2008 foi de aproximadamente US$ 90 bilhões, o equivalente à soma dos PIBs do Paraguai, Bolívia e Uruguai. O PIB do setor, em 2008, chegou a US$ 28 bilhões (quase 2% do PIB nacional), dos quais cerca de US$ 9 bilhões em exportações e mais de US$ 7 bilhões em tributos.

É bom deixar claro que as comparações acima visam apenas a ilustrar as diferenças entre os dois setores. A agroindústria canavieira não compete – antes, contribui – com o setor petroleiro, do qual é coadjuvante. Porém, enquanto pairam dúvidas sobre os horizontes do petróleo, a agroindústria canavieira tende a crescer seguramente, pois ainda não chegou ao limite de suas potencialidades.

Com investimentos em pesquisas se pode aprimorar o rendimento da cana na lavoura e melhorar o desempenho industrial. Nessa área, os campos mais promissores são o melhor aproveitamento da biomassa para a produção de energia e a fabricação de outros subprodutos da cana, como os bioplásticos. Tudo isso deve ser feito por métodos sustentáveis de produção, o que inclui reduzir o uso de água no processo industrial.

Fonte: MAURÍLIO BIAGI FILHO – O Estado de S.Paulo – MEMBRO DO CONSELHO DE ESTRATÉGIAS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA E INDÚSTRIA DE BASE (ABDIB), DO CONSELHO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS E DO CONSELHO SUPERIOR DO AGRONEGÓCIO DA FIESP

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