As vésperas da Rio+20, o Brasil assiste ao consumo de biocombustíveis engatar a ré. Uma das principais bandeiras nacionais para a redução da emissão de gás carbônico, o etanol tem perdido espaço para a gasolina. As vendas do derivado da cana-de-açúcar caíram 34% nos últimos 12 meses, consequência da alta do preço de quase 20% em dois anos.
Hoje o etanol é mais vantajoso em apenas três estados: São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Resultado: 80% da frota roda com gasolina. Isso porque na ampla maioria dos casos, o etanol deixa de compensar quando fica acima de 70% do preço da gasolina.
O mais preocupante é que não há perspectiva positiva no curto prazo. A própria Agência Nacional do Petróleo (ANP) estima que levará, ao menos, três anos para o etanol voltar a brilhar. O preço do combustível não deve baixar sem a oferta maior do produto. E os usineiros avisam que a produção só será ampliada caso tenham uma garantia firme e de longo prazo para o setor.
A oferta ficou comprometida diante da baixa produtividade das lavouras, afetadas pela queda dos investimentos e o clima ruim. "Em 2008, a restrição de crédito reduziu o ritmo de renovação das lavouras. Em 2009, sofremos com as chuvas. Em 2010, o problema foi a estiagem. E em 2011 teve seca, geada e o florescimento da cana, que derruba o nível de sacarose", diz Antônio de Padua Rodrigues, presidente interino da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Sem a possibilidade de repassar o aumento de custo para o preço, diante da concorrência da gasolina, controlada pelo governo, as usinas têm preferido fabricar açúcar, cuja cotação andou em alta.
Na safra de abril de 2011 a março deste ano foram moídos 493 milhões de toneladas de cana, 11% menos que a safra anterior. A produção de etanol, destino de 60% da cana cinco anos atrás, ficou com 52% do volume esmagado. Para a safra atual, a expectativa é de estabilidade. Além disso, há o envelhecimento das plantações. "A baixa produtividade reduz a oferta em 150 milhões de toneladas. Para chegar à produtividade ideal, é preciso renovar totalmente as lavouras, investimento que não deve maturar antes de 2016", diz Rodrigues.
A Copersucar revisou a previsão para a safra 2012/2013 de 540 milhões de toneladas de cana para 520 milhões, devido à estiagem, ainda que algumas sigam em sentido contrário. A Petrobras Biocombustível (PBio), em sintonia com o Planalto, diz que ampliará em 20% sua produção. Segundo o presidente da PBio, Miguel Rossetto, apesar das dificuldades, a empresa tem mantido o ritmo. Enquanto o clima não melhora, a ociosidade é considerável: as usinas têm capacidade instalada para moer até 700 milhões de toneladas, mas produz pouco mais de 500 milhões, o que aumenta o custo por tonelada.
Trata-se de um círculo nada virtuoso. Sem poder suprir o mercado interno, as usinas não conseguem aproveitar a queda da barreira comercial nos EUA, ocorrida na virada do ano, e dessa forma adiam a ambição de o produto tornar-se uma commodity global. A presença expressiva do Brasil na produção mundial seria outro entrave de peso e de solução ainda mais complicada.
Apesar do momento ruim, o governo federal não acena com incentivos para além da linha de financiamento de 4 bilhões de reais oferecida pelo BNDES no fim do ano passado.
Linha que sintomaticamente ainda não saiu do papel. Tampouco haveria disposição de baixar os impostos. A carga tributária sobre o etanol é de 31%, exceto em São Paulo, de 18%, o que explica o fato de o estado ter o menor preço. Na gasolina, os tributos pesam 35%.
Para não pressionar os índices de inflação, o Planalto segura a gasolina. Segundo a Petrobras, os ajustes só ocorrem quando há estabilidade dos preços internacionais. Com foco em uma política de longo prazo, a estatal diz que a defasagem pode ser recuperada mais à frente. E permitiu, inclusive, uma boa notícia alguns anos atrás, em 2009, quando o preço foi reduzido em 4,5%, nível em que se manteve até novembro de 2011, quando houve reajuste de 10%.
Na terça-feira 5, a presidenta da Petrobras, Graça Foster, afirmou que não haverá reajuste tão cedo, diante do movimento recente de queda da cotação internacional.
O problema do setor reside mesmo na falta de horizonte. Segundo o ex-ministro da Agricultura Luis Carlos Guedes Pinto, hoje diretor de seguro rural da BB/Mapfre, falta uma definição da política brasileira para o etanol, apesar de a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prever que a participação do combustível na matriz energética do País passará dos atuais 5.2% a 8.7% até 2020. "O que se espera?", pergunta Guedes Pinto.
"Houve um grande arranque de 2003 a 2008, mas é preciso planejamento e garantia de preço convidativo, senão não dá para investir. Os investimentos pararam porque o preço do álcool deixou de ser atraente."
O trabalho pela frente não é trivial. Segundo o Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroalcooleiro e Energético (Ceise-BR), serão necessárias mais 130 usinas para fazer frente à demanda na próxima década, confirmada a hipótese de o consumo dobrar nesse período. O ritmo de expansão, paradoxalmente, é lento: era de 30 unidades ao ano em 2008, caiu para duas nos primeiros cinco meses de 2012. Diante dos incentivos á produção de veículos, se prevêem mais problemas em alguns anos.
A perda de competitividade para a gasolina corre o risco de desarticular toda a cadeia sucroalcooleira. As fabricantes de máquinas para etanol, por exemplo, estão com 50% de ociosidade neste início de ano e registram apenas a metade dos funcionários de 2007, segundo Antonio Carlos Christiano, coordenador de bens de capital do Ceise-BR.
Mesmo quem tem garantidos seus investimentos reivindica um plano estratégico, inclusive o braço de biocombustíveis da Petrobras. Para Rossetto, da PBio, o setor ainda tem dúvidas sobre como abrir um novo momento expansivo. "E importante o desenvolvimento de um urande programa de inovação tecnológica e a associação da expansão do etanol com a da energia elétrica através da biomassa do bagaço da cana, de forma que as duas atividades componham a receita para financiar esse novo ciclo."
No curto prazo e de forma paliativa, o mix de consumo no País pode mudar, a despeito dos problemas, diz Julio Borges, diretor da consultoria JOB Economia e Planejamento, pois pela primeira vez, desde janeiro de 2009, o preço do açúcar recuou. "Há chances de a oferta do etanol crescer."